sexta-feira, 14 de agosto de 2009

PULSO: A Carta



Já era tarde da noite. Tiago, um garoto alto, cabelos negros e olhos azuis intensos, olhava pela janela, a carta de sua amada na mão, amassada. O rosto marejado de lágrimas. A dor da perda maltratava cada centímetro do seu corpo.
O ar lhe havia fugido dos pulmões e ele não conseguia aceitar o que havia lido. Gabriela, uma garota tão linda, tão calma, tão sincera não parecia ser capaz de redigir aquelas palavras ácidas e cruéis, depois de tantas juras e promessas de amor.
Gabriela e Tiago pareciam o casal perfeito, nada muito meloso, mas realmente intenso. Cada palavra que um falava ao outro parecia como um carinho. Seus sentimentos entrelaçados faziam uma enorme corrente de promessas e de um futuro meigo e cheio de romances.
A certeza de que ficariam juntos para sempre era tanta que o súbito momento de felicidade ao ver que tinha recebido uma carta de sua amada, fez com que Tiago rasgasse o envelope ferozmente para atingir seu conteúdo. A cada palavra que lia, o sorriso de Tiago derretia e sua expressão era tomada de raiva, tristeza e indignação. Cada letra era uma facada inesperada. E ele não conseguia se lembrar aonde tinha errado.
Seu choque era tanto que sua mãe o sacudiu e tudo que ela conseguiu extrair dele foi uma simples e agourento gemido de dor e desespero. Ele estava parado à porta do quarto, sua mão tremia e seus olhos inchados de tão chorar. Aos poucos a verdade e a veracidade da carta foram lhe atingindo como as chamas que antes habitavam seu coração. Agora transformados em blocos maciços de gelo. Sua ternura transformou-se aos poucos em frieza. Seu desejo ardente em repulsa. Aos poucos o garoto que tanto era desejado por seu carisma e pelo seu jeito de entender as mulheres se tornou a pessoa mais fria que alguém poderia encontrar.
Tiago desvencilhou-se da trêmula mão de sua mãe e ignorou suas perguntas. "É claro que eu não estou bem", pensou. Correu até a porta da casa, largando a carta de Gabriela molhada e amassada no chão do quarto. Abriu a porta com raiva e inspirou o ar gelado da madrugada. O cheiro da grama, e a brisa que batia o acalmaram um pouco. Então saiu para caminhar, sem pressa, sem rumo.
Quando se deu por si, estava sentado, sozinho, encostado em uma árvore, olhando para o céu, encantado e enfeitado de estrelas. Seu desejo de explodir uma a uma foi aos poucos reprimido pela brisa suave. Os cantos dos pássaros da madrugada refulgiam ao longe e vagamente trechos da carta de Gabriela vinham em sua mente: "Não podemos mais ficar juntos...", "... será o melhor a se fazer", "... eu nunca te amei”. Como ela esperava que ele acreditasse nisso, depois de tudo que viveram? De qualquer maneira, aquele jeito não era dela. E Gabriela jamais optaria por dizer tais coisas por carta. Antes de qualquer coisa, ela era honesta e corajosa. Se tivesse algo a dizer, o teria feito pessoalmente. Tiago notou algo estranho em seu olhar, da última vez que saíram. Quando a deixou em casa e se despediu, ela tinha uma leve expressão de sofrimento que tentava esconder.
Então ele decidido se levantou, rumou a casa de sua amada. Chegou em poucos minutos, a campainha ressoou mas o cachorro dela já não latia mais. O carro de seu pai não estava na garagem. As luzes apagadas. Nenhum som de dentro da casa. Ela partira. E achou melhor lhe entregar uma carta com mentiras, para ele não a procurar mais, do que simplesmente lhe contar a verdade, ela sabia que ele faria de tudo para ir atrás dela.
E então, se viu desesperado. Se ela ainda o amava, como pôde tê-lo deixado sem nem saber para onde iria? Ele tinha que descobrir onde ela fora. Então foi até a casa de Fernanda, sua melhor amiga. Tocou a campainha inúmeras vezes até ver que uma luz tinha sido acesa no primeiro andar da casa. Esperou até que abrissem a porta e uma garota baixa, de cabelos longos e ruivos (linda, mas não mais que Gabriela), sonolenta apareceu. Sua expressão era de raiva, mas, quando viu Tiago, ela entendeu. Olhou pra ele e se afastou da porta, convidando-o para entrar.
Ao entrar, Fernanda com os rostos molhados se virou para Tiago e lhe disse que Gabriela ainda o amava verdadeiramente, mas que ela não iria aguentar namorar com ele a distância, e por isso pedira para que ela, Fernanda, escrevesse uma carta que demonstrasse uma raiva e um rancor inexistente em seu peito. Tiago sorria e perguntou, ao ver que Fernanda parara de chorar, onde Gabriela estava, Fernanda lhe disse que ela se encontrava junto com o Pai e a Mãe na casa que eles haviam comprados, meses antes, em Porto Alegre. Tiago abraçou Fernanda, voltou correndo para sua casa, arrumou sua mochila, sua mãe o parou quando ele estava ao pé da escada, ele disse com um sorriso triunfal: "Ela ainda me ama" e sem dizer mais nada partiu pela porta. Já amanhecera e ele pegou o primeiro ônibus para Porto Alegre.
Uma vez no ônibus, Tiago ficou pensando no que diria, na reação de Gabriela quando o visse... Então, quando o ônibus chegou ao seu destino final, Tiago desceu e procurou um táxi, informou o endereço e foi então que começou a sentir a ansiedade tomar conta.
Viu o seu reflexo no espelho do retrovisor, estava com um ar exausto. Mas ainda assim estava radiante. Chegou à casa de Gabriela, pagou o motorista do Taxi, pegou sua mochila e tocou a campainha.
Para seu desânimo, quem abriu a porta foi o pai de Gabriela, Sr. Renato. Ele estava com um ar sério e cansado, mas feliz em ver Tiago. Ele, mais do que ninguém, sabia como aquele rapaz fazia bem para sua filha. Sr. Renato se afastou sorrindo, deixando que Tiago entrasse na casa. Informou-lhe que Gabriela havia saído com a mãe e que voltaria em breve. Tiago seguiu Sr. Renato até a área da piscina, onde haviam construído um pequeno quiosque.
Tiago e o Sr. Renato ficaram sentados à espera de Gabriela e Tânia, sua mãe, mas elas demoravam a chegar, Renato que tinha o mesmo porte de Tiago, lhe ofereceu roupas, este aceitou, sem problemas. Subiu ao primeiro andar da casa, entrou para tomar um bom banho. Ao terminar, foi para o quarto onde dormira quando passou as férias aqui, o quarto de Gabriela. Ao entrar viu-se na parede oposta, não era um espelho, mas sim um enorme pôster com a sua foto com as palavras “meu eterno amor” grafadas em baixo.
Uma onda de felicidade tomou conta de seu corpo. Colocou a roupa emprestada, que parecia feita sob medida e desceu novamente para encontrar um Sr. Renato envolto em pensamentos.
Sr. Renato sorriu quando Tiago desceu e ele pode ver o motivo, logo atrás dele encontrava-se uma Gabriela sorridente, com os olhos marejados de lágrimas. Gabriela correu e pulou no pescoço de Tiago, beijando-o ardentemente.
Tiago retribuiu com a mesma intensidade, não se importando com a presença de seus sogros. Tiago e Gabriela se afastaram alguns centímetros, o sorriso estampado na cara dos dois e, então, ela o pegou pela mão e acenou para os pais, arrantando-o pela porta.
-Vamos caminhar, ela disse.
Eles caminharam até a praça central da vizinhança, sentaram-se em um banquinho, Gabriel sorrindo e Tiago um sorriso torto meio pensativo. Tiago vira-se para Gabriela e lhe pergunta:
- Gabi, por que isso? Por que você não me disse onde você tinha ido? Por que fazer a Fernanda mentir?
Gabriela olhou fundo nos olhos de Tiago, sua voz doce e gentil.
- Eu estou doente, Tii. Espero que você entenda.
Tiago começou a se assustar.
- Mas o que você tem?
Gabriela olhava intensamente para Tiago, como que esperando um acesso de raiva por não ter lhe contado.
- Eu tenho câncer. E aparentemente ninguém é compatível para um transplante de Medula óssea.
- Como assim ninguém é compatível? -- Perguntou Tiago.
- Meu sangue é O negativo. Todos da minha família são A postivo ou B negativo. Eu posso doar sangue para todos, mas nenhum pode doar para mim, ou meu corpo rejeita.

Tiago olhava triunfante, sua voz clara e seu coração pulava, seu rosto iluminado de alegria.
- Meu sangue também é O negativo.
Gabriela olhava para Tiago. A informação que ele lhe dera não era surpresa.
-Eu sei, meu amor, eu sei. Mas eu nunca poderia pedir isso para você.
- Como não?! - exclamava Tiago - Eu mataria por você, eu morreria por você, se é de um transplante que você precisa, é de mim que vão tirar o sangue!
Tiago olhava para Gabriela como se ela não pudesse perceber que era o que ele mais queria, fazer parte dela além de amá-la.
Então Gabriela se viu no lugar dele. Se fosse o contrário, claro que ela faria o mesmo, e até mais. Mas como ela poderia aceitar que o homem que ela amava se mutilasse por ela? Não, isso não.
- Entenda Gabi, você não pode me impedir disso, eu quero e eu vou fazer isso.
Derrotada, Gabi se levantou e Tiago a seguiu. Voltaram para sua casa, onde encontraram seu pai sentado assistindo, indignado, o jornal e, sua mãe na cozinha, preparando algo pro jantar. Quando entraram, Tânia levantou os olhos e percebeu, em sua filha, uma expressão mescla de tristeza e felicidade. Ela sabia o que aquilo significava. Ela largou o prato que estava lavando e foi em direção de Tiago. Sem hesitar, abraçou-o com muita intensidade, seus olhos marejados de lágrima.
Renato ao perceber o movimento de sua esposa e o olhar de sua filha, se levantou, esperou sua mulher se separar do genro e também o abraçou. Sua filha fora abraçada por sua mulher, o rosto ainda mesclando a tristeza de ver quem o amava mutilado e a felicidade de ver quem a amava pronto para salvá-la. Tiago ao se soltar de Renato, abraçou Gabi e lhe disse no ouvido:
- Não importa o que aconteça, sempre estarei com você!


( Ana Carolina Seixas e Felipe Marquezelli ).
- Primeiro capítulo de Pulso-